quinta-feira, agosto 23, 2012

É ela! (pelos cenários de Regina)

Foto: Ettore Belangero Preite
Material fotográfico gentilmente cedido pela produção da Exposição
Agradecimentos: Ivan Bellangero Izzo e Ettore Belangero Preite

Regina Duarte - quem diria? - faz 50 anos de carreira. Tantas vidas compartilhadas com a gente que até se perde a conta. Uma garota sapeca que vive sua arte na pele e distribui até hoje, sem medida alguma, o mesmo sorriso desabrido, desarmado, inequívoco, absolutamente familiar. 
Não há teoria sociológica que explique por que a gente conhece tão bem essa moça que atravessa a vida do nosso lado, chora e ri conosco, essa pessoa por quem a gente torce, reza, até faz novena se preciso for. Bendita ilusão que acaba mesmo virando verdade. Afinal, tudo ou quase tudo na TV, que se insinua e nos envolve desde os imemoriais tempos em que ver novela era o pecado mais cometido nos lares brasileiros, é real à sua maneira. E mais real que Regina Duarte, só mesmo Regina Duarte.
  Lembro de coisas do arco da velha, enquanto reconstruo essa Regina que vive dentro de mim. Minhas tardes de sol, pra te encontrar... A letra brota, a canção está guardada em algum disco de novela que já nem sei qual é e nas dobras mais fundas da memória. A galera do fã-clube, quase cem por cento mais nova, me olha hipnotizada e diz que eu faço pergunta difícil. Ah, mas só quando a memória me trai. Sim, eu vi Legião dos Esquecidos na antiga TV Excelsior. Vi Dibuk, um grande caso especial da Globo que reencontro, numa tevê antiga, na sala de jantar da exposição. Passei Minha doce namorada inteira cruzando os dedos pela Patrícia e ouvindo, todos os dias, a voz do meu querido e saudoso amigo Eduardo Conde cantar, na abertura, "Seja onde for, seja tempo de riso ou de dor, ao teu lado será como um dia de sol." Em plena adolescência, achava o máximo morar no parquinho e ler o jornal de 1910 da Tia Miquita, aberto sempre na mesmíssima data.

 Regina Duarte como Viúva Porcina
Foto: Acervo da exposição


Regina é tão presente que todos esses detalhes são praticamente coisas de família, de parente próximo. Relembrar e, ao mesmo tempo, dar-me conta da imensa garra desse furacão semiencoberto por um rosto de anjo, é reconstituir na alma a própria efervescência da televisão brasileira, que tantos grandes atores e atrizes tem colecionado pela vida. Ver Regina jogar-se inteira em Malu Mulher, em Porcina, em Chiquinha Gonzaga - meu Deus, que momento GRANDE! - é privilégio não de poucos, mas de todos! Este é o grande barato e a dádiva máxima da teledramaturgia brasileira. Em nenhum outro lugar do mundo há esse jorrar de talentos entrando em casa e se oferecendo, com toda sua arte e o tempo inteiro, ao cidadão comum. 

 Regina Duarte e Ivan Izzo
Foto: Ettore Belangero Preite

Na festa dos 50, emoção é palavra fácil. Graças aos amigos do fã-clube, a quem fui apresentada recentemente pela amiga Danielle Crepaldi, posso testemunhar esse retribuir tão divinamente preparado e realizado em honra de Regina Duarte. Ivan Izzo, o artífice do sonho que se transformou na exposição "Espelho da arte - A atriz e seu tempo", inaugurada em 21 de agosto no Centro Cultural dos Correios, no Rio, criou habilmente espaços de confluência que tornam mais nítida do que nunca a intimidade natural do público com Regina. Estamos todos, enfim, em casa entre suas coisas, em meio a todos (ou quase todos) os traços de sua passagem.

 Foto: Ettore Belangero Preite

Diante de tanta gente e tanta expectativa, penso no que vai no coração dela. Do lugar que me cabe na plateia, ouço as amorosas confissões de Izzo, as tímidas brincadeiras do apresentador Rodrigo Santoro. Acompanho o show de um jovem chamado Diego Moraes, que desfila os temas musicais de tantas protagonistas. E canto tudo que a CPU da alma é capaz de buscar em meus arquivos. Na primeira fila tudo explode e borbulha, adivinho sem ver. E Regina, ao agradecer, confirma.

Foto: Ettore Belangero Preite

Mas o pior, o mais forte, o mais arrasa-quarteirão, ainda estava por vir. Rodrigo Santoro chamou, Zizi Possi subiu "só porque você é você, Regina", e a partir daí quem quiser que aguente. Não adiantou apertar o cinto ou convocar a habilidade do piloto Marcelo nas pistas de Véu de Noiva; Per Amore, de Mariella Nava, o tema da Helena de Por amor, entrou rasgando no peito - e a eterna Beatriz, de Chico Buarque e Edu Lobo, que Regina adora, terminou de esfolar. Nada a fazer senão juntar cacos e lágrimas, agradecer e reunir rapidinho o maior número possível de rodos, vassouras e panos de chão, na esperança de que sejam capazes de deter a inundação da alma.

Regina Duarte e Zizi Possi
Foto: Ettore Belangero Preite

Meu cara a cara com Regina começou no ano passado, quando, como assessora de imprensa, acompanhei sua participação especial no filme Astro, dirigido por Paula Trabulsi. Sua simplicidade me contagiou. Ficou dali um carinho guardado para além da TV. O segundo momento, recente, aconteceu após a peça Raimunda, Raimunda, no CCBB do Rio, por obra e graça do fã-clube. E o terceiro na exposição, quando, diante de um painel de fotos, Regina admitiu estar "muito Claudia Cardinale". - Puxa, Regina, sabe que vocês têm tudo a ver?? - empolguei-me. Não me conformo de nunca ter percebido essa conexão... Bem mais tarde, festa bombando e flashes pipocando, peço uma "foto Cardinale" e ela faz, o gesto cúmplice, alegria por todos os poros. Regina é uma festa para todos nós. Comemorada com amor por uma carreira como poucas, curtiu tudo na noite de estreia como a criança que é, a alma leve, o prazer de viver refulgindo nos olhos. Parafraseando a canção-tema de Tia Miquita, que Célia Biar viveu em Minha doce namorada, só tenho a dizer: viva Regina, seja bendita, e seja sempre tudo isso que é você.